Era hora de almoço e os funcionários da fábrica de pólvora e rastilho de Canidelo, em Vila do Conde, não estavam a trabalhar.
Também por isso a tragédia não foi maior. Só Vyacheslav Popil, de 31 anos e nacionalidade ucraniana, a única vítima mortal, assegurava a manutenção dos serviços. Passavam poucos minutos das 13h00 de ontem quando, por razões ainda desconhecidas, houve uma explosão no anexo da fábrica. Seguiu-se uma nova explosão num depósito de material inerte que funcionava numa estufa. Os efeitos sentiram-se nas casas vizinhas, em especial no refeitório do infantário e da escola primária. Duas crianças ficaram feridas, atingidas por estilhaços de vidro. A viúva da vítima mortal, que tinha um filho de 4 anos, chegou em lágrimas, duas horas depois.
O cenário era de destruição. Os espaços da fábrica, denominada José Manuel Martins, Lda., ficaram completamente carbonizados. Nem chegou a haver incêndio. As explosões destruíram tudo. Escaparam por sorte algumas botijas de gás, caso contrário os resultados seriam piores. No entanto, o impacto das explosões atingiu as casas situadas a, pelo menos, 350 metros de distância. "Está tudo rebentado", diz desanimada uma funcionária do refeitório da Junta de Canidelo, onde os alunos da primária almoçavam na altura das explosões. Um deles ficou ferido com os estilhaços das janelas. Os alunos foram logo retirados do refeitório, que fica a cerca de 50 metros da fábrica e da escola. Perto dali, um rapaz de 4 anos que estava em casa também ficou ferido. "Estava perto da janela, o vidro partiu e atingiu-o na cara", disse ao CM a mãe da criança que, ainda não refeita do susto, desmaiou várias vezes na rua.
"PODIA SER CATASTRÓFICO"
Jorge Alves foi uma das primeiras pessoas a chegar ao local. "Vi um cadáver junto a uma máquina, mas não deu para conhecer a pessoa. Não tinha mais nada a arder. O que rebentou, rebentou", contou ao CM, revelando que ouviu as duas explosões quando estava na casa da mãe, a cerca de um quilómetro. "Isto é inadmissível. Uma fábrica destas nunca pode estar aqui porque tem casas e escolas", desabafou sem conseguir conter a emoção.
"NÃO SE ABRE MAIS A ESCOLA"
O presidente da Junta de Freguesia de Canidelo era ontem a voz da revolta. "Por sorte o jardim-de-infância não funcionou hoje, porque faltou uma educadora. Mas estavam as crianças da primária a acabar de almoçar e a dez minutos de vir para o recreio", disse Carlos Lopes. "Não se abre mais a escola [jardim-de-infância] enquanto não se fechar esta empresa. Alguém tem que assumir as responsabilidades", afirmou convictamente.
DISCURSO DIRECTO
"A ÁREA ATINGIDA FOI LONGA": Joaquim Moreira, Comand. dos Bombeiros de V. Conde
Correio da Manhã – A fábrica estava a funcionar àquela hora?
Joaquim Moreira – Sim, estava. Há a lamentar uma vítima mortal, que era o único trabalhador da fábrica que estava lá, e dois feridos ligeiros no exterior da empresa.
– Houve duas explosões. Há risco de voltar a haver mais?
– Não. A explosão foi de tal forma que fez limpeza de tudo o que possa provocar novas explosões. Apenas fizemos a remoção de uma garrafa de gás dos escombros que estava a ter uma fuga, mas nada de mais.
– Qual foi a extensão do impacto das explosões?
– Ainda não sabemos, mas a área foi longa. Já meti alguns dos meus bombeiros a movimentarem-se neste espaço para confirmar que não havia mais feridos, assim como já o fizemos no espaço interior [fábrica].
VÍTIMA TINHA FILHO DE QUATRO ANOS
Poucas horas depois da explosão chegaram ao local a mulher e um casal de amigos da vítima. A esposa estava inconsolável, os amigos pareciam não saber ainda do desfecho trágico. "Mas há mortos?", perguntou ao CM um dos melhores amigos de Vyacheslav. O ucraniano de 31 anos morava em A-Ver-o-Mar, Póvoa de Varzim, e tinha um filho de 4 anos. A viúva teve de receber tratamento psicológico do INEM.
EMPRESA SUSPENSA DE FABRICAR PÓLVORA
A fábrica que explodiu, ontem, em Canidelo estava temporariamente impedida de produzir pólvora. A informação foi avançada aos jornalistas pelo presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde, Mário Almeida, durante uma visita à fábrica José Manuel Martins, Lda. "Foi--nos dito que foi suspensa a elaboração da pólvora, ficando só o fabrico de rastilhos", afirmou.
Mas o autarca era a imagem da desconfiança. "Não me parece que os rastilhos provoquem estes danos", ironizou o edil. Mário Almeida revelou que a Câmara de Vila do Conde vai pressionar a Direcção Nacional da PSP, responsável pelo licenciamento das construções e da actividade do fabrico de pólvora e de rastilho. "O parecer do Departamento de Armas e Explosivos da Direcção Nacional da PSP é obrigatório e vinculativo", lembrou o autarca, explicando de seguida que a única relação da câmara com a fábrica é na construção.
A fábrica de Canidelo já teve vários incidentes ao longo dos anos, sendo que os mais recentes foram em 2003 e 2005. "Temos manifestado junto das entidades responsáveis essa preocupação de estar uma fábrica tão próxima de casas", assegurou Mário Almeida. "Quer seja erro humano, quer seja negligência, as pessoas não devem sofrer com isso. Foi uma sorte ter havido só uma vítima mortal", disse.
CM
Eu vivo nas Guardeiras- Maia ouvi a explosão e senti o estremecer dos vidros, corri para a janela e consegui captar fotos do cogumelo de fumo que se formou de imediato nos céus.
ResponderEliminarO que me preocupa é que morreu um trabalhador inocente que deixou um filho menor. E aos proprietários não acontece nada? Provoca-se danos e estragos nas vidas das pessoas e fica-se impune? Abre-se noutro lado, que sabe ao lado de uma das nossas casas?
Gostaria que tomassem medidas, para que estas sirvam de exemplo para estes proprietários e para outros tantos iguais que por aí andam, que só se preocupam com o lucro fácil, mas a segurança, não é necessário porque quem morre é sempre o operário e nunca o patrão.