terça-feira, 20 de abril de 2010

“Há quem queira a cabar com os bombeiros voluntários, mas tudo faremos para os manter”

As contas não estão fáceis de fazer na Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Coimbra. A conjuntura divulgada ontem, na sessão comemorativa dos 121 anos da instituição, por Fausto Garcia, presidente da Direcção, deixa antever problemas maiores do que aqueles com que os Voluntários convivem diariamente. «As receitas provenientes do serviço de ambulâncias para os hospitais, que eram um bom sustentáculo da Associação, são cada vez menos», expressou Garcia, depois de ter revelado que a instituição tem o orçamento anual de «cerca de um milhão de euros».
«Acontece que, só em Coimbra, existem 11 empresas de transporte de ambulâncias, que fazem concorrência desenfreada aos bombeiros», argumentou o dirigente dos Voluntários de Coimbra, antes de exclamar: «Se os serviços destas, distribuídos pelos hospitais, forem equitativamente atribuídos em número de quilómetros percorridos, ficamos com sérias dúvidas sobre a viabilidade destas empresas, pois os hospitais de Coimbra pagam à Associação uma média anual de 39.310,85 euros».
Fausto Garcia perguntou, então, se «será possível manter uma empresa com estas receitas, pagando às tripulações, Segurança Social, reparação de viaturas, seguros, etc». De seguida, respondeu: «Se os serviços forem equitativamente distribuídos, tendo em conta os quilómetros percorridos idênticos aos dos Voluntários, essas empresas, muitas delas, teriam falido por falta de receitas».
Num discurso perceptivelmente preocupado, o presidente da Direcção reparou que «os serviços de transporte dos hospitais parecem não ter em conta que os Bombeiros Voluntários de Coimbra não fazem só transporte de doentes, mas prestam todo o tipo de socorro», lembrando que «as ambulâncias dos bombeiros ainda recentemente foram equipadas, por obrigação legal, o que não é nada barato», antes de pedir «bom senso e equilíbrio».

Operacionalidade ainda não está em causa
Fausto Garcia acrescentou que se a situação se mantiver «é natural que tenha de haver centenas de despedimentos de tripulantes de ambulâncias», explicando que «deixaremos de ter alguns fundos, ainda que miseráveis, dos hospitais, como é o nosso caso, para ajudar a liquidar os seus vencimentos». «Esta situação é inacreditável e a manter-se será a morte lenta das Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários, nomeadamente a de Coimbra. Não temos outras fontes de receita e estas têm diminuído assustadoramente», assegurou. Apesar das dificuldades, declarou o dirigente, não está, «por enquanto, em causa a operacionalidade do corpo de bombeiros».
Com 40 mil euros anuais de subsídio da Câmara Municipal de Coimbra, que aumentou o valor em 10 mil euros, mas que «não dá para liquidar um mês de despesas», Garcia socorreu-se da estatística para informar que «somos o corpo de bombeiros voluntários que mais socorro presta no distrito». Mesmo considerando as exigências legais, «exageradas para quem trabalha durante o dia e passa as noites no quartel», o presidente da Direcção assegurou que «a formação não é descurada, bem pelo contrário». «Por tudo o que se disse, parece-me que há quem queira acabar com os bombeiros voluntários, mas tudo faremos para os manter», realçou.
Muito se tem falado nos últimos tempos da crise de voluntariado. Fausto Garcia revelou que «o voluntarismo pode estar em causa, mas não nos faltam voluntários, falta-nos sim disponibilidade financeira para lhe darmos tudo quanto eles merecem». «Pergunto-me se o Estado, com tantas exigências pouco apropriadas para voluntários, não estará a cavar a sepultura do próprio voluntariado, que lhe faz falta», disse, prosseguindo com a certeza de que, «sem os beneméritos, a Associação estaria já tecnicamente falida». «São eles que têm substituído os deveres públicos», declarou, antes de dar um exemplo.
«Para este ano, temos outra viatura que nos foi oferecida pela REN, mas que tivemos de equipar e para a qual muito contribuiu a sócia benemérita Susana Redondo. Não tivemos qualquer ajuda do Estado», lamentou o presidente da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Coimbra, que, no que respeita a viaturas, adianta que «estamos bem equipados». Ontem, Pedro Veloso Marques tomou posse como adjunto do comando, tendo sido atribuídas condecorações a bombeiros e homenageadas empresas e os sócios beneméritos, incluindo a entrega de capacetes a oito descendentes da família de José Carranca Redondo, os mais jovens sócios beneméritos de sempre.

Comandante fala em “grande carência” de fardamento
Ontem, além da falta que faz um novo quartel, Fernando Nobre, comandante dos Bombeiros Voluntários de Coimbra, sublinhou a «grande carência de fardamento e equipamento de protecção individual». Por sua vez, António Simões, em representação da Federação de Bombeiros do Distrito de Coimbra e da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), confirmou os «problemas que afectam todas as associações do país que fazem transporte de doentes em ambulâncias dos bombeiros».
«Durante muitos anos, o Estado serviu-se das associações. O que não gostaríamos de ver era, de um momento para o outro, estas instituições serem substituídas por empresas privadas a quem, se calhar, se vai pagar muito mais», afirmou o também comandante dos Bombeiros Voluntários de Penacova, antes de anunciar que «a LBP está a trabalhar com o Ministério da Saúde para que haja bom senso, de forma a manter os postos de trabalho».
António Ferreira Martins, comandante operacional distrital de Coimbra, assumiu que, este ano, «o dispositivo de primeira intervenção apresentado para o distrito é igual ao do ano passado», pelo que «não há substituição de bombeiros», acrescentando que, «em 2009, foram gastos, no distrito de Coimbra, um milhão e quase 200 mil euros em despesas com pessoal entre 15 de Maio e 31 de Outubro».
Henrique Fernandes confirmou a verba de «um milhão e 180 mil euros gastos, em 2009, com pessoal dos corpos de bombeiros», além de, garantiu, «as câmaras municipais terem suportado os seguros e entregue subsídios regulares de meio milhão de euros». Por fim, o governador civil de Coimbra desafiou à constituição de um espaço de reflexão, envolvendo todas as entidades com responsabilidades na protecção civil.

Crise justifica atraso na cedência do terreno para o novo quartel
O novo quartel dos Bombeiros Voluntários de Coimbra continua sem passar do projecto de intenções. «Necessitamos ainda da escritura para que o terreno [entre o Fórum e o Centro de Saúde de Santa Clara] seja da Associação», informou Fausto Garcia, sublinhando que, «agora, lutamos com outra grande dificuldade que não se levantava há 10 anos».
«Para construir o novo quartel, necessitamos de vender as actuais instalações, mas não encontramos um comprador devido à crise que lavra na construção civil. Há alguns anos, houve boas ofertas, que não se concretizaram porque apesar de ter ido a concurso público a construção do aquartelamento, noutro local, este foi posteriormente reprovado», contextualizou.
O presidente da Direcção da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Coimbra deu conta, ainda, que o Quadro de Referência Estratégico Nacional «agora só subsidia até 70 por cento, mas só a parte operacional, tendo nós que pagar pelo menos 30 por cento do restante da construção, que diz respeito à área administrativa, bar, parte social, etc».
João Paulo Barbosa de Melo disse estar «esperançado» que, no próximo ano, o assunto do quartel «se possa resolver», com o vice-presidente da Câmara de Coimbra a explicar que «o terreno não é da autarquia, mas de particulares que estão envolvidos numa operação urbanística que a fará quando o terreno for libertado para a Câmara, que, depois, o transferirá para os Bombeiros Voluntários de Coimbra».
Os atrasos são justificados com a crise, que afecta fortemente o sector imobiliário e retrai o investimento, mas também com «questões ambientais». «Devido à crise, não posso dizer uma data para quando a escritura vai estar pronta a ser feita», prosseguiu Barbosa de Melo, que disse, ainda, esperar que «a crise possa deixar vender as actuais instalações».
Diário de Coimbra

2 comentários:

  1. Se calhar, são os próprios bombeiros que cavaram e cavam a sua sepultura!
    Mas deixem-me opinar: não acham que a função é de alto-risco e que o alto-risco deverá ser assumido por profissionais?!

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  2. O comentário anterior, suscita-me outro. Hei-lo: as polémicas que têm surgido em tempos de verão, sobre quem ateia os fogos e os os proveitos de quem os apaga(ou finge apagar); os lobbys fornecedores de serviços e equipamentos; os fornecedores de combustíveis e seguros; etc. ...etc.Tudo isto,não será, também,um desencanto para toda a Comunidade, sobretudo para os Associados?!

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