"Todos íamos com uma vontade muito grande de estar presentes e querer ajudar". É desta forma que Marco Martins descreve o espírito dos 37 portugueses que compuseram o primeiro contingente de ajuda humanitária que partiu para o Haiti quatro dias após o sismo de 12 de Janeiro.
O jovem obidense foi chefiar a Força Especial de Bombeiros, também conhecida por Canarinhos, integrada numa missão conjunta, composta também por elementos do INEM e da Assistência Médica Internacional (AMI).
Depois de um início de viagem atribulada (com a avaria na bomba de combustível do avião, que os fez atrasar em um dia a partida) chegaram à capital haitiana a 17 de Janeiro. "Senti logo que estávamos num cenário dantesco", conta, justificando as primeiras impressões com a percepção imediata que as tropas americanas tinham tomado o controle de todo o aeroporto.
Marco Martins não estava à espera de encontrar no terreno tanta destruição. "O que imperou foi a larga escala do número de vítimas e da destruição e, de certa forma o cenário envolvente das condições sociais, que são extremamente desfavoráveis no país", resumiu.
O grupo português ficou inicialmente instalado num acampamento associado às forças internacionais, juntamente com mais de um milhar de outros socorristas e depois começaram então a construir o acampamento português. Aproveitaram a existência de um campo de futebol e montaram as tendas em seu redor, "de forma a não interferir com o espaço central onde as crianças brincavam", recorda o bombeiro. Naquele espaço montaram as tendas, sanitários, duches, iluminação e deixaram alguns bens como kits de higiene, cozinha, cobertores e lençóis.
O primeiro acampamento organizado que surgiu naquele país presta apoio directo a cerca de 600 pessoas e indirecto a mais mil que estão instaladas em seu redor. A sua gestão está a cargo da AMI.
Esta foi a primeira experiência da Força Especial de Bombeiros, que nunca tinha estado num cenário real. "Da próxima vez já sei como me organizar e movimentar mais facilmente", conta o bombeiro de Óbidos.
Esta participação permitiu-lhes também ver quais as suas fragilidades e colmatá-las. Ter o passaporte sempre actualizado é uma delas. Informados da acção com um dia de antecedência, houve elementos convocados que tiveram que ser substituídos por não terem o documento em dia.
"As crianças sensibilizaram-me muito"
Marco Martins destaca a importância desta experiência para a sua valorização como pessoa. "Houve vários momentos em que estive mais sensível, nomeadamente quando havia contacto com as crianças", lembra, destacando que os mais novos, inconscientes das adversidades, "manifestavam sempre um sorriso e uma grande abertura para connosco". O jovem bombeiro relata ainda como ficou emocionado por ver as crianças, nos campos de desalojados, a brincar com carrinhos feitos com garrafas de água e papagaios feitos com sacos plásticos. "Por vezes queixamo-nos de tudo e estamos sempre mal e quando somos submetidos a um cenário onde as condições são complexas, faz-nos repensar as prioridades", afirma.
Já no que diz respeito aos adultos, a sua expressão era de desilusão e de mágoa por todo aquele cenário de destruição. Na sua opinião, a melhor solução para aquela cidade seria "deitar abaixo o que restou, porque tem limitações em termos de resistência, e construir tudo de novo", sendo, para tal, necessária uma forte ajuda externa.
Marco Martins conta ainda que, apesar do conflito latente, nunca sentiu insegurança no Haiti. "Nunca ninguém nos tratou mal, muito pelo contrário, foram extremamente receptivos e muito abertos para connosco", disse, destacando essa convivência aquando da inauguração do acampamento português, a 29 de Janeiro.
O denominado Campo Azul foi inaugurado com o hastear das bandeiras de Portugal e do Haiti e dos respectivos hinos nacionais, seguido de um jogo de futebol entre os haitianos e a força conjunta portuguesa. "Foi um momento extremamente significativo, quer para eles quer para nós", lembra.
Durante o tempo que lá esteve o contacto com Portugal era difícil e, na maior parte das vezes, apenas possível através da internet. Em termos institucionais tinham diariamente contacto com a Autoridade Nacional da Protecção Civil, mas em termos pessoais as comunicações eram mais limitadas.
Só quando chegou a Portugal é que Marco Martins teve consciência do mediatismo que esta operação tinha tido. A mãe guardou-lhe todos os jornais e entrevistas e nos Bombeiros foi recebido com grande entusiasmo pelos colegas.
A frequentar o último ano de Engenharia da Protecção Civil em Lisboa, Marco Martins tem agora que compensar as duas semanas que faltou, sobretudo as frequências que tinha marcadas e não fez. "Felizmente tive a compreensão de alguns professores", conta o jovem bombeiro que na semana passada teve que fazer uma maratona de testes.
Expresso
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