domingo, 14 de novembro de 2010

Ministro Rui Pereira sabe de alegados desvios na Protecção Civil desde Abril

O ministro da Administração Interna, Rui Pereira, que tutela a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), conhece desde Abril as suspeitas que existem contra o comandante operacional da ANPC, Gil Martins, e que levaram a Inspecção-Geral da Administração Interna a propor a abertura de um processo disciplinar ao principal responsável operacional deste sector.
Isso mesmo confirmou Rui Pereira numa resposta enviada por e-mail ao PÚBLICO, onde o ministro alega não ter competências para decidir a suspensão de Gil Martins.
"No dia 14 de Abril de 2010, foi remetido ao gabinete do ministro da Administração Interna o referido processo [inquérito destinado a investigar procedimentos sobre os quais foram suscitadas dúvidas, nas palavras do MAI], com a proposta de instauração, pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), de um processo disciplinar contra o comandante operacional nacional, Gil Martins", lê-se no e-mail que o MAI enviou ao PÚBLICO. Rui Pereira acrescenta que no mesmo dia remeteu o processo para a IGAI. E quanto à ausência de medidas preventivas, justifica: "O comandante Gil Martins continuou a exercer funções porque a sua suspensão preventiva só seria legalmente admissível se tivesse sido proposta pela entidade que instaurou o processo, a IGAI, ou pelo próprio instrutor do processo, o que não sucedeu".

Inquérito-crime aberto - Segundo o semanário Expresso, o comandante está a ser investigado por alegadamente ter desviado cerca de 100 mil euros entre 2007 e 2008. Gil Martins usaria a escala de serviço, que incluiria mais funcionários do que aqueles que efectivamente prestariam serviço no Comando Nacional de Operações de Socorro (CNOS), para fazer sair o dinheiro através da Associação Humanitária de Bombeiros Progresso Barcarense, que procedia ao pagamento do pessoal. O dinheiro relativo aos funcionários que não tinham trabalhado seria entregue a um motorista do comandante. Mais tarde era justificado perante os serviços administrativos dos bombeiros barcarenses com facturas de refeições, deslocações, telemóveis, computadores e até de uma consola Nintendo. Esta semana o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa confirmou que estava a investigar o caso. Tal deve-se ao facto de o estatuto disciplinar de quem exerce funções públicas prever que os ilícitos disciplinares prescrevem ao fim de um ano após serem cometidos, a não ser que também sejam crime. Ora como os factos são de 2007 e 2008 só se constituírem crime é que não estarão prescritos a nível disciplinar.

O recrutamento de funcionários através de associações de bombeiros é um esquema que existe na Protecção Civil há mais de 20 anos e pretende colmatar a recusa repetida dos governantes em criar quadros na ANPC e nos organismos que a antecederam. "Nunca houve disponibilidade dos vários ministérios para fazer concursos de admissão", afirma Joaquim Marinho, presidente do antigo Serviço Nacional de Bombeiros entre 1996 e 2002. "A mecânica engendrada era a figura da cooperação técnica operacional, que permitia a transferência das verbas para as associações de bombeiros, que contratavam as pessoas", continua. Para a resolução definitiva do problema, Rui Pereira prometeu um centro de recursos para a protecção civil.
Mas o projecto não saiu do papel. Em vez disso, a maioria dos funcionários da ANPC foi contratada pela Escola Nacional de Bombeiros, uma associação privada, que tem como accionistas a Liga dos Bombeiros e a própria ANPC. Apesar de reconhecer a fragilidade do sistema que se mantém hoje, Marinho garante que ele não facilita o que se fala agora. Não será essa a convicção do ex-comandante distrital de Évora, José Rodrigues, suspenso preventivamente o ano passado e depois demitido da ANPC. O ex-dirigente recusou-se ontem a falar, mas o PÚBLICO apurou que as suas declarações terão contribuído para a abertura de um inquérito ao CNOS.

Público

Sem comentários:

Enviar um comentário